sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Guarapiranga – Praia Paulistana

 

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A represa de Guarapiranga, na Zona Sul da cidade de São Paulo, é onde os ritmos da natureza e da cidade acelerada se cruzam. Não importa a condição do tempo ou a estação do ano, para quem quer curtir as forças naturais em cima de uma prancha esse energético lugar tem à disposição um eclético cardápio de boardsports: Kitesurf, wakeboard, stand-up paddle, windsurf, lazer, água ou curtição. Qual a sua pedida?

TURNO ROTATIVO

São 7h30 da manhã de uma quarta-feira cinzenta de inverno. Acordo e olho pela janela do apartamento. A luz ainda é fraca e qualquer cidadão comum voltaria para a cama, que ainda está quentinha. Vejo as árvores sacudindo com o vento e a chuva lateral, e imediatamente esqueço o frio paulistano. Hoje é dia de windsurf na represa de Guarapiranga.

A espera pela previsão valeu a pena. A frente fria chegou soprando um storm de 20 nós e, em diferentes lugares da cidade, advogados, empresários, médicos e outros profissionais vão acordar e tomar seu cafés-da-manhã felizes da vida. Antes de sair para o trabalho, vão pegar seus wetsuits… Na hora do almoço, vão escapar das obrigações para encarar a água gelada e vestir seus personagens preferidos: esportistas.

Essa é a rotina de alguns paulistanos, como eu, que tem na Guarapiranga mais do que o principal reservatório de água potável da cidade. Esse lago com 84 km de margens e 26 km2 de área à beira da metrópole entrou na minha história nos idos de 1980, quando eu ainda criança. Aprendi a velejar nos barquinhos-escola, influenciado pelo meu pai. De lá pra cá me tornei surfista, viajei, descobri o windsurf, e a nossa relação também mudou.

Nas últimas décadas da sua existência, com a zona urbana definitivamente chegando, a Guarapiranga evoluiu para ser uma verdadeira quadra poliesportiva da cidade para os boardsports. Primeiro, o esqui e o windsurf, que emplacaram nas décadas de 1970 e 1980. Depois, as versões repaginadas com o wakeboard e a febre do kitesurf. Agora, a nova febre, o stand-up paddle.

Hoje a Guarapiranga faz parte da vida de milhares de pessoas que frequentam os clubes, escolas de esportes náuticos, parques, reservas ecológicas e marinas. É o playground dos boardsports de São Paulo.

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GUARAPIRANGA

Há dois acessos principais à represa. Pela Av. Robert Kennedy, no bairro de Interlagos, chega-se à face leste, mais urbanizada e habitada, onde há diversos clubes e lojas à beira d’água, como a Team Brazil e a Pêra Náutica. A face que eu mais gosto fica na margem oeste, acessível pela apertada Estrada da Riviera, por onde se chega a uma península que avança sobre a Guarapiranga, de ocupação residencial, condomínios fechados e mata preservada, chamada Riviera Paulista. Lá fica o Tempo Wind Clube, uma boa mistura de clube de campo para a família e plataforma de lançamento para boardsports. Enfim, qualquer que seja o acesso, nas águas da Guarapiranga convivem esportes que preservam algo em comum além do formato prancha. Todos os que entram na água buscam ali um contato intenso com a natureza.

Depois da minha infância dentro de veleiros, voltei à Guarapiranga já adulto. Era um fugitivo habitual da cidade durante os finais de semana, que, como outros milhares de surfistas, vivia uma relação complicada com São Paulo. Não dá para trabalhar direito na praia, e não dá para viver plenamente na cidade. Redescobrir a represa me fez ver que São Paulo não era só sinônimo de concreto. E mais, descobri que dava para ser feliz em cima de uma prancha sem ter que descer a serra.

As paisagens verdes e o ‘clima de praia’ da Guarapiranga também atraem cada vez mais surfistas. Eles aderem à água doce porque veem na represa um lugar para praticar um segundo esporte de prancha, ou um curinga para dias de condição menos favorecida no litoral. Hoje a represa é ponto de encontro de esportes aquáticos, e favorece o crossover entre eles. É o lugar onde se aprende que fazer um segundo esporte de prancha ajuda na evolução do primeiro, que no meu caso é o surf.

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PERSONAGENS

O publicitário Marcelo Faro passou sua adolescência flertando entre pranchas. Quando mudou de Vitória (ES) para São Paulo, somou o windsurf ao seu repertório. “A base do skate e a base do surf são praticamente as mesmas, o que em resumo significa equilíbrio. Isso facilitou o primeiro contato com o windsurf. Minha namorada estava começando a ter aulas de wind e me levou um dia… Bastou o primeiro velejo para eu me apaixonar pelo esporte. Você chega à Guarapiranga e se belisca e agradece por aquilo ser real. Porque é um privilégio viver perto de um lugar tão bonito e mágico. Além da ligação com o esporte, vou até lá só para curtir o visual e olhar o pôr-do-sol.”

Outro personagem frequente nas águas da Guarapiranga é o representante comercial e free-surfer Ricardo Kairalla, que apurou o seu big surf e o manejo em pranchas acima de 10’. “Pegar onda realmente é o meu esporte predileto, e sempre que há condições estou no mar. Mas o wind é um complemento muito grande. Depois que comecei a velejar, voltei a outras temporadas no Havaí pegando ondas ainda maiores. Em Waimea senti que minha intimidade com as guns (pranchas grandes) tinha melhorado muito. Sabe aquela hora no drop em que parece que ela vai decolar? Ficou muito mais familiar porque essa é a essência do wind, e vice-versa.”

Pode-se dizer que hoje o kitesurf é a principal porta de entrada aos boardsports no maior pólo de esporte movido a vento em São Paulo. Quem diz isso é o empresário Ricardo Munhoz, sócio do Tempo Wind Clube, o único localizado na preservada margem do bairro da Riviera. “O kite está no auge do seu crescimento no Brasil. E aqui a demanda por cursos tem sido cada vez maior. A represa é especialmente favorável pra quem quer se iniciar no kite, por causa das condições mais controladas. Quem veleja está sempre perto das margens, e por isso também os zodiacs estão sempre próximos e em prontidão pra lançar a pipa e acompanhar.”

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BATE-VOLTA SEM SAIR DA CIDADE

Estar perto da natureza, no coração da maior metrópole da América do Sul, pode parecer uma contradição, mas é exatamente essa proximidade – a Guarapiranga está a 20 minutos de carro do centro financeiro da cidade – que faz com que ela seja considerada um refúgio. O lugar é uma pílula de alívio rápido contra as tensões da cidade. Criei um ritual de escapadas estratégicas do trabalho no horário do almoço pra velejar de wind nos dias de bons ventos. Para o bem do resto da cidade, quem anda de carro na Av. Robert Kennedy (que dá vista às margens da lagoa) pode curtir a paisagem das pipas e velas cruzando o céu azul-anil e a água verde-escura em pleno break de expediente.

Sandro Nascimento é corretor de imóveis e se transforma em kitesurfista nas horas de vento. “Estar no escritório e ver o vento significa velejar no fim de tarde. A sensação do kite é alucinante, é perfeito pra quebrar a agitação do dia.” As melhores condições acontecem no inverno e na primavera, quando entram as frentes frias. “Todo mês rola velejo, mas no verão normalmente o vento é mais rajado, irregular e difícil. Já quando entra sudoeste é show, vento mais limpo e forte.”

Alguns deixaram de lado o bate-volta e decidiram adotar definitivamente a Guarapiranga como lar. Outros já estão transformando a casa de final de semana em moradia fixa. É o caso do Marcos Castello, sócio do clube Team Brazil, que decidiu alugar o apartamento de São Paulo e mudar-se de vez para a casa que tinha na Riviera, onde mantém velas e pipas. “Estou a um pé da cidade sem sair do paraíso. É o bom do isolamento somado ao bom da proximidade. Quem tem o privilégio de acordar, brincar com os cachorros e sair pra velejar do próprio quintal de casa? É algo raro.”

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RITMO NONSTOP

São Paulo é famosa pelo seu ritmo intenso, ligada 24 horas por dia. E eu reparo como a cidade empresta essa característica de um jeito interessante para o seu principal manancial. Na represa não há tempo ruim, nem ociosidade, ela vive um constante entra e sai de turnos favoráveis a cada esporte. Quando tá choppy, bom pros kites e winds; quando tá glassy, para as lanchas e seus wakes, ou para o rolê de stand-up.

Ficar de olho na previsão do tempo é essencial, na opinião do wakeboarder profissional Marreco, atleta medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, que treina regularmente e mantém uma escola na represa. “Agora no outono é o melhor tempo para o wake, quando a água fica mais lisa e ainda tem sol. Mas ficar atento à previsão é o que te permite estar na água todos os dias, pois até num dia de vento você pode achar horários e cantos da represa onde as características estão próprias ao wake. Comecei a andar de wake na Guarapiranga, e hoje tenho a minha vida aqui. Eu moro na represa, onde há sempre uma raia lisa para praticar. O wake brasileiro nasceu aqui, e os maiores talentos do esporte também.

Outro esporte que aproveita as águas calmas na represa é o stand-up paddle. Esse ‘irmão mais novo’ dos esportes de prancha está começando e se desenvolver como uma disciplina autônoma do surf, inclusive com equipamentos dedicados ao cruising, modalidade de remo na flat water por distâncias maiores, em pranchas estáveis e que rendem mais velocidade. Ricardo Munhoz, do Tempo, conta que o stand-up paddle está começando, mas que a curiosidade é enorme. “No início o SUP não demanda muita técnica, exige mais equilíbrio e parte física. É um dos motivos para ter muita gente procurando esse esporte, que na Guarapiranga está totalmente descolado do surf. Os velejadores estão comprando essas pranchas para a família ou para curtir os dias de pouco vento, para bons passeios à base de remo. Apesar de estar cercada pela cidade, a Guarapiranga ainda possui lugares pouco frequentados e muito preservados, que convidam à exploração com uma prancha de remada.”

Fonte: Praia Paulistana
Matéria publicada na Revista da Tent Beach Inverno/09. Fotos de Alê Barros.

2 comentários:

  1. Olá pessoal, vcs poderiam pelo menos ter citado a fonte de onde tiraram a matéria - o blog www.bate-volta.com, e ter citado o autor, eu.

    Um pouco de cortesia on line, por favor.

    José Lucas de Paula

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